em algum dia depois de 23 de Setembro 2005


Não sei que dia é hoje.

Se é de manhã, ou de noite.

Não me lembro do tempo que passou desde que cá cheguei.

Só me lembro do sorriso de um anjo vestido de médico. Pedindo desculpa (ele sempre pede desculpa), perfura o meu esterno para chegar à medula e tirar uma amostra. Não sei se me dói. Não tenho noção.

Deste dia, na UCI, só me lembro daquele largo sorriso, das palavas serenas que me diz e me faz confiar nele, até hoje.

Tenho tubos a sair do meu ombro, cosidos na minha pele, perfurando a minha carne. Há vários líquidos que entram em mim através deles.

Não consigo respirar. Tento respirar fundo, mas não há espaço para o ar nos meus pulmões.

- Tente respirar mais devagar e mais fundo, Abigail - pede uma médica simpática.

Não consigo. Quero conseguir, mas não me é possível fazê-lo.

A solução é uma máscara que tapa herméticamente a minha boca e o meu nariz e que "empurra" oxigénio para dentro dos meus pulmões.

Faz um pouco de impressão no início, mas depois sabe bem.

Apercebo-me que o oxigénio faz secar a boca. Preciso de beber água muitas vezes. Para isso tiram um pouquinho a máscara e dão-me água por uma palhinha. Assim fico melhor.

Não sei quantos dias estou assim. Mas reconheço as minhas poucas visitas. Mas também quem quer ver alguém naquele estado?

O meu filho vem e dá-me a mão protegida por uma luva esterlizada. Não consegue não chorar e eu quero dizer-lhe que se acalme que vai correr tudo bem, mas não posso falar.

O João vem depois. Tenta ser forte, mas as lágrimas são mais pesadas.

A Emília, a minha querida Emília chora copiosamente.

Parte-se-me o coração vê-los naquele estado. Alguém lhes deve ter dito que eu estava muito mal. Será que é verdade? Não me sinto ansiosa. Aliás, estou estranhamente calma.

Muitas vezes perco noção do tempo e da realidade também. Só não perco a esperança.

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