Não sei que dia é hoje.
Se é de manhã, ou de noite.
Não me lembro do tempo que passou desde que cá cheguei.
Só me lembro do sorriso de um anjo vestido de médico. Pedindo desculpa (ele sempre pede desculpa), perfura o meu esterno para chegar à medula e tirar uma amostra. Não sei se me dói. Não tenho noção.
Deste dia, na UCI, só me lembro daquele largo sorriso, das palavas serenas que me diz e me faz confiar nele, até hoje.
Tenho tubos a sair do meu ombro, cosidos na minha pele, perfurando a minha carne. Há vários líquidos que entram em mim através deles.
Não consigo respirar. Tento respirar fundo, mas não há espaço para o ar nos meus pulmões.
- Tente respirar mais devagar e mais fundo, Abigail - pede uma médica simpática.
Não consigo. Quero conseguir, mas não me é possível fazê-lo.
A solução é uma máscara que tapa herméticamente a minha boca e o meu nariz e que "empurra" oxigénio para dentro dos meus pulmões.
Faz um pouco de impressão no início, mas depois sabe bem.
Apercebo-me que o oxigénio faz secar a boca. Preciso de beber água muitas vezes. Para isso tiram um pouquinho a máscara e dão-me água por uma palhinha. Assim fico melhor.
Não sei quantos dias estou assim. Mas reconheço as minhas poucas visitas. Mas também quem quer ver alguém naquele estado?
O meu filho vem e dá-me a mão protegida por uma luva esterlizada. Não consegue não chorar e eu quero dizer-lhe que se acalme que vai correr tudo bem, mas não posso falar.
O João vem depois. Tenta ser forte, mas as lágrimas são mais pesadas.
A Emília, a minha querida Emília chora copiosamente.
Parte-se-me o coração vê-los naquele estado. Alguém lhes deve ter dito que eu estava muito mal. Será que é verdade? Não me sinto ansiosa. Aliás, estou estranhamente calma.
Muitas vezes perco noção do tempo e da realidade também. Só não perco a esperança.
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