22 de Setembro de 2005


É muito estranho ver o céu deitada numa maca que é empurrada rapidamente num movimento trepidantemente incómodo.
Um elevador grande e metálico leva-me para algum lado.
Só meses depois soube que entrei pelo Piso V, a minha nova casa.

O meu telemóvel? Onde está o meu telemóvel? Por favor, não me cortem a ligação com o mundo. "Eu guardo o telemóvel comigo, não se preocupe. Agora descanse" Diz-me a enfermeira Virgínia. Os seus caracóis emolduram uma face amistosa, alegre e serena. Uma amiga?
"Temos que a pôr na cama"- ouvi."Não é preciso, eu passo para lá". Para espanto de todos eu gatinho literalmente da maca para a cama perante os protestos de toda a gente. Que não era permitido, que não posso fazer esforços, que tenho de descansar. Vou ter muito tempo para descansar.
Outra vez o elevador. O som e a cor metálicos. Inesquecíveis.
O impacto da chegada à UCI é no mínimo aparatoso.Tantos médicos e enfermeiras. Tantas caras fechadas, susurros, palavras que não entendo. Trocas de olhares que eu não quero entender.Mexem-me e tornam a mexer-me. nem sei onde me tocam. Acho que me tocam por todo o lado. São agulhas, estetoscópios, tubos e aparelhos que medem tudo e mais alguma coisa.
Respirar é difícil. Muito difícil. Não sei se vou conseguir manter este esforço por muito tempo.
Finalmente um sorriso. Uma cara mesmo por cima da minha, ri para mim e conta-me uma anedota. Mesmo com dificuldae em respirar, não consigo deixar de rir. Reparo então, que só nós os dois nos rimos.
No quarto de isolamento dos cuidados intensivos do IPO tudo o que se passa é sobre mim. É óbvio que é muito sério. Há uma grande possibilidade de a minha vida acabar aqui. Eu sinto que estou mal, mas não acho que vou morrer. Ainda não.
Um anjo fez-me rir. Cuidou de mim. Interessou-se por mim. Sobretudo, não desistiu de mim. Um anjo em forma de médico.

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