Bip Bip


Já há alguns dias que estou de volta ao Piso V. Espero ter deixado a UCI de vez.

Estou, em isolamento, no quarto 17. É um quartinho agradável, com uma grande janela (que como todas as outras, tem de estar sempre bem fechada). Tem um sofá e uma mesa redonda. É quase uma suite.

Não faço ideia do aspecto do hospital para lá daquela porta. As poucas vezes que saio daqui vou de maca e só vejo tectos e luzes. Pouco mais.

Mas consigo ouvir os sons. Parece-me que oiço muito perto, um patamar de escada onde pessoas entram e saiem e conversam. Oiço a esfregona da senhora da limpeza que tilinta metalicamente num ritmo certinho como um relógio. Oiço passos. Oiço tosse. Oiço gente a gemer e gente a vomitar.

E oiço "bips", muitos "bips" das máquinas todas. Das minhas e das dos outros doentes. Até sonho com estes sons. É como se fossem mais um órgão meu que se manifesta exteriormente.

Hoje é feriado e há menos movimento.

Como é possível que, do lado de fora daquela janela, o mundo continue com a sua rotina exactamente igual? Inacreditável! Quando tanta coisa mudou...

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